quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

O cientista-chefe da missão brasileira à Lua explica o que faremos por lá

Douglas Galante é pesquisador do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS/CNPEM) e cientista principal da missão Garatéa-L (Foto: Acervo pessoal)
 
O Anfiteatro Jorge Caron, na Escola de Engenharia de São Carlos da USP, foi palco de um anúncio histórico na noite do dia 29 de novembro: pesquisadores dos mais renomados institutos de pesquisa do país se uniram em torno do objetivo de lançar a primeira sonda do Brasil ao espaço profundo. Batizada de Garatéa-L, a missão pretende enviar um satélite de pequenas proporções, os famosos cubesats, à órbita lunar em 2020.
Apesar de pequena, a sonda transportará as expectativas de pesquisadores que sonham alto, materializadas na forma de três experimentos. Os resultados prometem render não apenas uma boa fornada de artigos científicos, como também formar e inspirar uma nova geração de cientistas e engenheiros com a oportunidade valiosa de fazer exploração espacial com as próprias mãos em solo nacional.
E não para por aí. "Parte do projeto envolve prepararmos a humanidade para se tornar uma civilização multiplanetária", diz o astrobiólogo Douglas Galante, que desenvolve pesquisas no poderoso acelerador de elétrons do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS/CNPEM), em Campinas. Galante foi escolhido como cientista principal da missão Garatéa.
Em entrevista à GALILEU, o pesquisador revelou detalhes do experimento que está ajudando a desenvolver, cujo nome cairia nas graças de Ney Matogrosso: secos e molhados.
Ele é composto por duas partes: uma com moléculas biológicas (secos) e a outra com colônias de micróbios vivos (molhados). A análise minuciosa de como a estrutura da vida reage à microgravidade e à radiação é essencial para o nosso futuro no espaço. "A biotecnologia é a base para expandir a civilização humana para além da Terra", afirma Galante.
O astrobiólogo falou também sobre a incerteza no envolvimento da Agência Espacial Brasileira (AEB) na missão e da esperança de contribuir com o fortalecimento da cultura científica e tecnológica no Brasil, chamando a atenção de políticos para atrair mais investimentos na área espacial. Confira a entrevista:Veio de várias partes, foi uma coisa mais ou menos auto-organizada. O [engenheiro espacial] Lucas Fonseca tem o histórico próprio da carreira dele: trabalhou nos últimos anos na Europa, na ESA, na missão Rosetta... Ele já tem um background de exploração espacial e desenvolvimento de engenharia espacial, ele voltou para o Brasil e abriu uma empresa de consultoria em engenharia espacial, e vem dando consultoria para a Agência Espacial Brasileira (AEB). Então, a paixão dele é trabalhar com isso.

Ele já tinha interesse em continuar com esse projeto de exploração espacial aqui no Brasil, e ele já vem falando de uma missão à Lua há algum tempo. E meu grupo de pesquisa em astrobiologia também já vem há alguns anos trabalhando para entender como organismos terrestres respondem ao ambiente espacial, ao ambiente de outros planetas, e como podemos desenvolver metodologias para tentar detectar esse tipo de vida, usando principalmente ambientes análogos aqui da Terra como padrão.
A gente tem se aproximado e procurado maneiras de fazer esses experimentos de forma cada vez mais realista, normalmente fazemos em laboratório, ultimamente temos ido para esses ambientes análogos: a Antártica, os Andes, o Atacama, para entender no local como eles funcionam. E a gente queria partir para os experimentos espaciais mesmo, há vários anos a gente colabora com o grupo do Instituto Mauá de Tecnologia no desenvolvimento de pequenos satélites, os cubesats, para lançar uma missão em baixa órbita com um experimento científico de astrobiologia.

Já tiveram alguma oportunidade de voo?

Não, mas o satélite vem se desenvolvendo bastante, estávamos aguardando uma oportunidade. Mais recentemente conhecemos o Lucas, quando ele estava liderando um grupo de alunos de Engenharia Aeronáutica da USP São Carlos, que é chamado grupo Zenith, para desenvolver sistemas espaciais.
Eles queriam um problema científico interessante para trabalhar, e nós lançamos um desafio: por que a gente não lança uma sonda estratosférica juntos, com um experimento científico a bordo, e vocês fazem a parte de engenharia? Eles toparam, e assim foi criada a missão Garatéa, que a gente lançou esse ano pela primeira vez.
Foi um grande sucesso, e em dezembro vamos lançar ainda uma segunda versão, Garatéa 2. Com a interação desse grupo, a gente viu a oportunidade de conectar todas essas pessoas e lançar uma missão mais ambiciosa. A oportunidade de ir para a Lua veio de um anúncio de uma empresa britânica de lançamento de satélites, a SSTL, que propôs uma missão para comemorar os 50 anos da Missão Apollo 11, em 2019.

Eles estavam planejando essa grande missão para lançar microssatélites ao redor da Lua. Ficamos sabendo disso e decidimos investir todos os esforços do grupo, que estava crescendo, estava adicionando o pessoal da engenharia com o pessoal da pesquisa.

Para fazer essa missão, que é muito mais complicada do que uma missão para a órbita terrestre, a gente procurou parceiros em outros institutos, como o IPE, INPE, ITA, que já têm experiência, já lançaram vários satélites, têm laboratório de testagem. Foi em decorrência dessa oportunidade. Foram vários grupos que tinham interesse em investir em exploração espacial aqui no Brasil, e que de repente se encontraram por esse interesse comum. É uma espera de vários anos na tentativa de colocar uma missão científica de verdade do Brasil no espaço, e agora a gente tem a oportunidade de ir além da órbita terrestre pela primeira vez.

Foi um grande sucesso, e em dezembro vamos lançar ainda uma segunda versão, Garatéa 2. Com a interação desse grupo, a gente viu a oportunidade de conectar todas essas pessoas e lançar uma missão mais ambiciosa. A oportunidade de ir para a Lua veio de um anúncio de uma empresa britânica de lançamento de satélites, a SSTL, que propôs uma missão para comemorar os 50 anos da Missão Apollo 11, em 2019.

Eles estavam planejando essa grande missão para lançar microssatélites ao redor da Lua. Ficamos sabendo disso e decidimos investir todos os esforços do grupo, que estava crescendo, estava adicionando o pessoal da engenharia com o pessoal da pesquisa.

Para fazer essa missão, que é muito mais complicada do que uma missão para a órbita terrestre, a gente procurou parceiros em outros institutos, como o IPE, INPE, ITA, que já têm experiência, já lançaram vários satélites, têm laboratório de testagem. Foi em decorrência dessa oportunidade. Foram vários grupos que tinham interesse em investir em exploração espacial aqui no Brasil, e que de repente se encontraram por esse interesse comum. É uma espera de vários anos na tentativa de colocar uma missão científica de verdade do Brasil no espaço, e agora a gente tem a oportunidade de ir além da órbita terrestre pela primeira vez.
A Agência Espacial Brasileira (AEB) tem algum envolvimento no projeto, ou ele é independente?

Isso está em discussão ainda, já que o projeto nasceu de forma independente da AEB. Mas a gente está procurando fazer uma parceria com eles, já tivemos uma primeira resposta positiva de interesse da agência, ela provavelmente vai entrar. Mas não posso dizer com certeza, por que ainda não temos um aviso oficial. Mesmo que não entre com verba para o projeto, a AEB tem uma importância estratégica e política, ajuda a destravar relações internacionais necessárias.
Em que estágio de desenvolvimento a missão se encontra agora e qual é o cronograma até setembro de 2019, quando a sonda deverá estar pronta?

A data do lançamento era para coincidir com a da missão Apollo, no meio do ano de 2019. Soubemos recentemente que talvez já tenha um atraso nesse lançamento, então trabalhamos com uma data entre 2019 e 2020. Esse é o nosso prazo final. Mas tem muita coisa que precisa ser resolvida nesse meio-tempo, não vamos ficar parados porque várias das soluções
Um dos objetivos do projeto não é simplesmente comprar um satélite pronto, uma sonda de outro país, e lançar. A gente quer aproveitar essa oportunidade para o desenvolvimento de tecnologia, e formação de pessoas capacitadas aqui no país. Vamos envolver muitos estudantes, escolas... Queremos fazer com que a tecnologia, os materiais, as soluções sejam desenvolvidas aqui no país. E que esse conhecimento fique aqui disponível no Brasil.

Com a colaboração que a gente tem com o Instituto Mauá de Tecnologia, já temos uma plataforma de microssatélites, os chamados cubesats, que é a que vamos usar para ir para a Lua. Está bastante desenvolvida e em um conceito totalmente de open hardware e open source — quer dizer que todo o layout de construção do satélite, tanto em estrutura, quanto em software de controle, é livre.

Isso faz parte da nossa filosofia: a gente quer contribuir para essa formação de pessoas e estabelecimento da tecnologia espacial aqui no país. 
Por que a escolha da astrobiologia como principal foco das investigações?

Na verdade a Garatéa tem três objetivos claros: o científico, de fazer os experimentos que vão nela e não se restringem à biologia; o de engenharia, desenvolver uma sonda brasileira capaz de voar em espaço profundo; e os objetivos educacionais, de formar pessoas capazes de trabalhar nessa área, novos doutores, novos engenheiros, e também de motivar os jovens do Brasil a seguir nas ciências espaciais e nas ciências de maneira geral.
Dentro da parte científica, a gente tem três experimentos que farão parte, não é só astrobiologia. Temos também um experimento de medicina espacial, que vai testar células humanas em ambiente espacial para tentarmos entender como o espaço profundo, com sua baixa gravidade e alta radiação, pode afetar importantes células do corpo humano. É importante para as missões espaciais de longa duração, e quem está coordenando essa parte das células humanas é a professora Thais Russomano. Temos também um terceiro experimento, de sensoriamento remoto, que vai fazer imagens de boa qualidade da superfície da Lua. Ele está sendo coordenado por um grupo de pesquisadores do INPE, que já tem experiência de vários anos, com satélites aqui na Terra.

E onde entra a astrobiologia?
Dentro dessa parte, vamos usar sistemas biológicos terrestres baseados em organismos extremófilos, que são extremamente resistentes a diversos fatores de stress ambiental, para testar basicamente três coisas: uma delas é os limites da vida como a gente conhece. Até onde as formas de vida que chamamos de extremófilos são capazes de aguentar em termos de radiação, ausência de gravidade, variações na temperatura e pressão? Com esse tipo de resposta, queremos estudar um segundo ponto, que é a habitabilidade do nosso universo.
Normalmente, a maioria das pessoas entende que a vida precisa de condições iguais às da Terra para existir — um clima ameno, uma atmosfera protetora, uma magnetosfera protetora, água disponível, enfim, condições amenas de vida dentro daquilo que chamamos de habitabilidade. Mas hoje a gente entende que essa habitabilidade pode ser expandida, podemos pensar em vida na superfície ou no subsolo marciano, debaixo da crosta de gelo de luas geladas do nosso Sistema Solar, como as de Júpiter e Saturno, e até em exoplanetas, que temos descoberto praticamente em torno de cada estrela. Queremos entender, aqui no nosso Sistema Solar, para começar, o que são as condições habitáveis.
Galileu.com

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