segunda-feira, 11 de julho de 2016

"A poluição do ar dos carros a diesel é um problema já resolvido pela tecnologia"

 Escapamento de carro a diesel da Volkswagen  (Foto: Sean Gallup/Getty Images)
 
A Câmara dos Deputados analisa um projeto de lei que pode liberar a comercialização e circulação de veículos leves a diesel no Brasil. O projeto é polêmico. Ele já foi rejeitado duas vezes em comissões na Câmara. A sociedade civil e o próprio Ministério do Meio Ambiente publicaram notas contrárias ao projeto, argumentando que ele pode aumentar a poluição nas cidades brasileiras. Já os defensores dizem que o temor de que ele polua mais é infundado. Segundo eles, o diesel é mais eficiente, emitindo menos por quilômetro rodado, e já há tecnologia de filtros e catalisadores para controlar a poluição.
ÉPOCA conversou com o vice-presidente de engenharia da Bosch na América Latina, Mario Massagardi. Ele dirige a Aprove Diesel, uma associação criada por empresas da indústria automobilística que fabricam sistemas e componentes para motores a diesel. Ele diz que a poluição do carro a diesel é um problema do passado e que, se o país quer enfrentar a poluição do ar, deve proibir os carros antigos, independentemente do combustível. "Hoje, um Fusca emite mais que 25 carros zero. Se a gente quer realmente melhorar a qualidade do ar, tem de restringir a velharada", diz.
Por que o senhor defende a introdução do carro a diesel no Brasil? Isso não pode criar mais um problema ambiental?
Mario Massagardi -
 Estamos vendo muita desinformação sobre esse tema, principalmente no lado ambiental da questão. Nós, da indústria automobilística, não podemos concordar com a afirmação de que um combustível é sujo ou poluente. Não é o combustível que polui, é o conjunto combustível e carro. É a tecnologia que está lá dentro. Você pode ter um combustível com as melhores características, mas, se é queimado em um carro que não tem tecnologia, vai gerar uma quantidade ruim de gases tóxicos. No caso da lei que se discute no Congresso, estamos falando de carros diesel equipados com catalisadores e filtros. Com essa tecnologia, o carro emite 2 miligramas de material particulado fino por quilômetro rodado. Isso é praticamente nada. Se a gente acender um cigarro durante a viagem, vai emitir mais que isso. O bom é que o filtro funciona sempre. É diferente do catalisador, que funciona melhor com o motor quente. Quando a gente fala de poluição do ar por partículas, do ponto de vista tecnológico, estamos falando de um problema já resolvido. Para os carros a gasolina com injeção direta que já circulam no Brasil, essa tecnologia ainda não existe. A quantidade de partículas finas, que são cancerígenas, são dez a 15 vezes maior nesses carros do que no carro a diesel.
Não existe a tecnologia de filtros para carros a gasolina?
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Não é o mesmo filtro, tem de ter uma tecnologia diferente. Para o diesel, até por necessidade, essa tecnologia foi criada há dez anos. Para a gasolina, está começando agora, é uma coisa incipiente. Por isso, esses carros com injeção direta poluem mais. Mas outros carros também emitem substâncias. Por exemplo, o carro a álcool emite aldeídos, que também tem efeito cancerígeno. A quantidade emitida por esses carros é no mínimo equivalente ao diesel. Também criticam o diesel pela emissão de óxidos de nitrogênio. Já há uma solução técnica adequada para isso, e os carros a gasolina e flex emitem outras substâncias com o mesmo efeito. Por isso, é preciso fazer essa ponderação. O carro a diesel emite material particulado e óxidos de nitrogênio, mas, em contrapartida, outros carros emitem gases que têm os mesmos efeitos.
O carro moderno, independentemente do combustível, vai poluir de forma equivalente. O que precisa ser feito é a renovação da frota. A lei que saiu em Paris faz isso. Os carros são classificados conforme a categoria – e, diga-se de passagem, o diesel está na categoria Euro6, logo abaixo do carro elétrico, como a segunda melhor categoria. A última categoria é a de carros mais velhos que 1997. Paris proibiu esses carros de circular em horário de pico. Se a gente fizer isso em São Paulo, o ar melhora muito. Proíbe carros de antes de 1997 e caminhões mais antigos que 2003. São veículos sem catalisador, sem filtro. Eles são os grandes poluidores. Hoje, um Fusca emite mais que 25 carros zero. Se a gente quer realmente melhorar a qualidade do ar, tem de restringir a velharada.
A Europa já adotou há algum tempo o carro a diesel. Pode fazer um balanço?
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A lei europeia sempre foi bastante restritiva. Quando um carro a diesel passa naquelas leis, é considerado equivalente a um carro a gasolina. A estratégia europeia para adotar um carro a diesel não foi por causa da poluição. Foi para controlar a emissão de gases de efeito estufa. Há uns 15 anos, o carro a diesel ficou muito econômico, com um consumo inferior e mais eficiência. Por isso, emite menos CO2. Outro motivo é o econômico. O diesel na Europa é um pouco mais barato que a gasolina e consome 30% menos. Isso puxou o mercado. Hoje, metade dos carros é a diesel.
Essa diferença econômica é muito significativa aqui para o Brasil. Tanto que quem apresentou o projeto no Congresso foi o partido Solidariedade, mais especificamente o pessoal ligado aos metalúrgicos do sindicato de São Paulo. Eles têm interesse na criação de empregos qualificados na indústria. Como esse carro tem tecnologia mais pesada, tem conteúdo agregado de componentes maiores que poderiam ser nacionalizados, isso pode gerar investimentos. Talvez duas, três montadoras nacionalizassem a fabricação dos motores, o que geraria empregos. Outro setor que apoia fortemente é o dos taxistas, que se beneficiariam com um carro mais eficiente. Os carros aqui no Brasil têm uma eficiência questionável. São carros que fazem 7 quilômetros por litro, 10 quilômetros por litro. Na Europa, alguns carros a diesel podem chegar a 30 quilômetros por litro. Nós estamos jogando combustível fora.
O diesel para carros leves foi proibido no Brasil por uma questão econômica. Não tinha o suficiente para atender ao mercado. Se liberarmos o carro a diesel, teremos de importar?
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O Brasil consome uma quantidade muito grande de diesel. Em torno de 60 bilhões de litros por ano. Desses, mais ou menos 10% são importados. Varia conforme a política energética, quando o governo precisa acionar termelétricas, o consumo aumenta muito. Os 90% restantes são refinados no Brasil e é o principal produto da Petrobras. Havia no Brasil quatro projetos de novas refinarias: a Abreu e Lima, Comperj, e duas que ficavam no Nordeste. O plano brasileiro era ser exportador de diesel refinado. Só que a gente vê o nome dessas refinarias por outros motivos nos jornais. Por conta do ambiente político e da crise econômica, os dois projetos foram cancelados. Abreu e Lima entrou em operação e a Comperj deve entrar. Fora isso, tem o biodiesel, que hoje fabrica 2 bilhões de litros, com capacidade para dobrar a produção. A condição da gasolina é mais complicada. A Petrobras tem capacidade para produzir 30 bilhões de litros, e essa capacidade está estável há anos. O mercado de etanol se retraiu. Por isso, a gente vê a introdução do carro a diesel como benéfica.
Um relatório da Agência Internacional de Energia comparou a regulamentação das emissões nos países. No Brasil a maior parte das regras é equivalente ao padrão da Europa, o Euro5. Só que, no caso do diesel, nossa regulação é muito mais baixa, equivalente ao padrão Euro3, para permitir mais enxofre na composição. A gente não corre o risco de trazer uma tecnologia nova, e não a regulação mais severa, e, com isso, permitir mais poluição?
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Aqui, no Brasil, temos dois tipos de diesel, o S10 [com 10 ppm de enxofre na composição] e o S500 [com 500 ppm]. O tipo de veículos que estamos falando só pode rodar com S10. Se rodar com coisa pior, terá problemas sérios com o motor por contaminação por enxofre. São coisas que, no carro moderno, são controladas por sensores que vão alertar o motorista de que ele está correndo risco.
Essa estrutura já existe em caminhões, em carros a gasolina, flex e a diesel, e, cada vez que a legislação evolui, ela fica mais exigente. Como hoje o S10 é um combustível que está disponível no país  inteiro, é uma coisa que a gente não vê com preocupação. Todo posto tem de ter. A picape precisa. Se você usar o S500, danifica o motor.
Se o S10 já existe em todo o país, por que ainda comercializamos o S500?
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Os motores modernos, com catalisadores, exigem o S10. Os mais antigos, que não tinham dispositivo, podem usar com S500. É um combustível que existe para a frota mais antiga. Para caminhão a partir de 2012, é obrigatório o uso do S10. Hoje, o mercado de picapes já está acostumado a usar o S10. O carro, mesma coisa. Os dois combustíveis existem porque a Petrobras tem capacidade limitada para produzir um ou outro. Até que não se adapte, a gente terá de viver com essa realidade. Mas, para esse nível de tecnologia que estamos falando de carro, tem de ser S10.
Época.com

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