sexta-feira, 4 de março de 2016

Cores do pôr do Sol nas dunas de Erg Chebb, no Saara, seduzem viajantes

“Eu sempre amei o deserto. A gente se senta numa duna de areia. Não se vê nada. Não se escuta nada”, descreve Antoine de Saint-Exupéry na conversa com o Pequeno Príncipe sobre o encanto e a imensidade do deserto. “E, no entanto, no silêncio, alguma coisa irradia”, afirma o escritor.
É essa irradiação mencionada por Saint-Exupéry, essa energia enigmática mais fácil de ser sentida no íntimo do que descrita em um livro, que deixa as pessoas fascinadas pela sensação de infinito do deserto. Estar rodeado por dunas cheias de curvas e vivenciar um mundo apenas de areia faz brotar as mais diversas sensações nas pessoas: da paixão por uma beleza simples e monocromática ao pavor de um espaço interminável e intimidante . Cabe a você sintonizar com a opção preferida.
Conhecemos diversos desertos nas Américas, na Ásia e na África, alguns deles altamente fotogênicos como o da costa da Namíbia. Mas o maior deles – e o mais espetacular – é o Saara, no norte do continente africano. Estendendo-se do leste ao oeste, do Egito ao Marrocos, esse oceano de areia corta 11 países e tem uma dimensão inimaginável: mais de 9 milhões de quilômetros quadrados, maior que todo o Brasil.
 
Um grupo de camelos aos pés de dunas ao leste do Marrocos (Foto: © Haroldo Castro/Época)
Um grupo de camelos aos pés de dunas ao leste do Marrocos (Foto: © Haroldo Castro/Época)
 
Na fronteira entre o Marrocos e a Argélia, as dunas do Saara transformam-se em um deserto plano de pedrinhas sem graça. Mas um pouco da areia alaranjada chega a cruzar a divisa política para formar, já no Marrocos, o Erg Chebbi, uma conjunto de dunas de 50 km de extensão de norte a sul e de 7 km de leste a oeste.
Para o viajante que já está no Marrocos e que queira ter um gostinho do que é o Saara, a melhor opção é passar um dia e uma noite às margens de Erg Chebbi. Passar apenas o dia é pouco, pois não ver o entardecer é perder o momento mais mágico do lugar.
 
Dormir uma noite no deserto em um acampamento tradicional permite curtir o entardecer e experimentar o silêncio da região (Foto: © Haroldo Castro/Época)
 
Dormir uma noite no deserto em um acampamento tradicional permite curtir o entardecer e experimentar o silêncio da região (Foto: © Haroldo Castro/Época)
As dunas de Erg Chebbi estão a 55 km de Erfoud, a maior cidade da redondeza. Calculamos com o motorista da 4x4 que percorre a última metade do percurso que precisamos estar antes das 16h30 aos pés das dunas. Rodamos contra o tempo.
Ele sabe que é essencial chegar com antecedência e desliza com velocidade e desenvoltura por uma pista de areia fofa, deixando rastros de poeira para trás.
Duas horas depois, chegamos. Ele cumpre sua missão e, com o sol ainda acima do horizonte, nos entrega aos cameleiros que esperam ansiosamente por nós.
 
Um cameleiro aguarda, com a paciência dos homens do deserto, a chegada dos visitantes (Foto: © Haroldo Castro/Época)
 
Um cameleiro aguarda, com a paciência dos homens do deserto, a chegada dos visitantes (Foto: © Haroldo Castro/Época)
Montar em um dromedário que está tranquilamente sentado na areia, com a sela a menos de um metro do solo, é mais fácil do que subir em um cavalo. Mas as comparações param por aí. Para que o dromedário fique de pé, é essencial que ele estique os joelhos de suas pernas dianteiras e traseiras. O movimento que ele faz para se levantar provoca um triplo balanço – para frente, para cima e para trás – e é preciso estar muito atento e segurar firme na sela para não cair do animal nessa hora!
Uma vez sobre o dromedário, o movimento é outro, mais parecido com um pequeno barco vencendo ondas frontais, subindo e descendo com leveza e sem agitações bruscas. As patas largas do camelídeo se acomodam bem na areia fofa e, com passadas constantes e firmes, o animal vai subindo a encosta.
 
Amarrados uns aos outros, os dromedários são guiados pelo cameleiro (Foto: © Haroldo Castro/Época)
 
Amarrados uns aos outros, os dromedários são guiados pelo cameleiro (Foto: © Haroldo Castro/Época)
 
A sombra da caravana de dromedários é projetada sobre uma duna do Erg Chebbi (Foto: © Haroldo Castro/Época)
 
A sombra da caravana de dromedários é projetada sobre uma duna do Erg Chebbi (Foto: © Haroldo Castro/Época)
O cameleiro conduz os animais até atingirmos o topo de uma duna alta. No Erg Chebbi, algumas podem chegar a 150 metros de altura. Mas, para ver o sol desaparecer no horizonte, basta estar a uns 30 ou 40 metros acima do solo para que a paisagem já seja espetacular.
Descemos do dromedário com cuidado e nos sentamos na crista da duna. O sol abaixa rapidamente e as cores do céu e da areia transformam-se a cada instante. Notamos que uma nova caravana de visitantes ainda sobe as dunas. Se não se apressarem, perderão o último raio de sol. De cima, com um ângulo privilegiado, conseguimos uma bela foto dos retardatários quando passam por um fio de luz. Escutamos palavras soltas trazidas pelo vento e descobrimos que a caravana é... de brasileiros.
 
Viajantes atrasados sobem as dunas para tentar assistir ao pôr do sol (Foto: © Haroldo Castro/Época)
 
Viajantes atrasados sobem as dunas para tentar assistir ao pôr do sol (Foto: © Haroldo Castro/Época)
Lá de cima, aproveitamos a magia do entardecer para apreciar o cantinho de deserto de Erg Chebbi. Mas, ao lembrarmos da frase de Saint-Exupéry sobre o silêncio, começamos a ouvir o zumbido estranho de um motor.
A máquina se aproxima, aumentando assustadoramente seu ruído. Logo descobrimos o absurdo: um turista desvairado, em vez de subir a duna sobre um dromedário, resolveu alugar um quad bike (quadriciclo) para vencer a encosta a todo vapor. Essa interrupção nada poética faz com que o encanto do cenário se dissipe por alguns minutos.
Mas, fulminado pelos olhares e sentindo-se persona non grata no ambiente, o turista sem noção felizmente retoma seu camelo mecânico e desaparece por onde veio.
Tudo volta à harmonia. Mas as autoridades marroquinas – se ainda não o fizeram – devem repensar seriamente sobre o uso de veículos motorizados em espaços que, tradicionalmente, são reservadas ao silêncio, à beleza e à poesia. 
Os autores viajaram a convite da Delegação do Turismo de Marrocos.

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