sábado, 12 de setembro de 2015

Queima de todo combustível fóssil da Terra elevaria nível do mar em 60 metros


A geleira Sheldon, na Antártica Ocidental, está recuando rapidamente e é um dos exemplos observáveis da desestabilização da plataforma de gelo na região
Foto: British Antarctic Survey/NASA


O uso de combustíveis fósseis pela Humanidade já está alterando a face do planeta e sua contínua queima ao ritmo atual pode levar ao praticamente completo desaparecimento da cobertura de gelo na Antártica, provocando uma elevação no nível do mar que destruiria cidades costeiras como o Rio, Nova York, Tóquio e Xangai. Em novo estudo publicado na edição desta semana do periódico científico “Science Advances”, um grupo de cientistas liderado por Ricarda Winkelmann, do Instituto de Pesquisas de Impactos do Clima de Potsdam, na Alemanha, avaliou diversos cenários para a utilização das atuais reservas destes recursos e calcula que sua queima total jogaria cerca de 10 trilhões de toneladas de carbono na atmosfera, provocando um gradual aquecimento do planeta ao longo de milhares de anos que faria a calota de gelo polar Sul derreter, lançando água suficiente nos oceanos para que eles subissem entre 50 e 60 metros.
- Se queimarmos todos os recursos de combustíveis fósseis ao nosso alcance, isso eliminaria a plataforma de gelo da Antártica, causando um aumento global de longo prazo do nível do mar sem precedentes na História humana – diz Ricarda. - Isso não aconteceria da noite para o dia, mas o ponto que dá um nó nas nossas cabeças é que nossas ações hoje já estão alterando a face do planeta Terra como conhecemos, a continuarão a fazê-lo por dezenas de milhares de anos. Se quisermos evitar que a Antártica fique sem gelo, temos que manter o carvão, gás e petróleo no subsolo.
Segundo os cientistas, os riscos de longo prazo disso acontecer aumentam a cada décimo de grau de aquecimento global. Atualmente, as emissões de gases do efeito estufa pela Humanidade já teriam desestabilizado a plataforma de gelo da Antártica Ocidental, cujo
derretimento é observável, mas não foram suficientes para fazer o mesmo com a maior e mais maciça plataforma da Antártica Oriental. Assim, o fenômeno ainda contribui com menos de 10% do aumento visto no nível do mar, um acréscimo menor quando comparado com o provocado pela expansão térmica dos oceanos mais quentes ou pelo fluxo vindo do derretimento das geleiras mundo afora.
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- Ao usarmos mais e mais energias fósseis, aumentamos o risco de acionarmos mudanças que talvez não sejamos capazes de interromper ou reverter no futuro – alerta Anders Levermann, também pesquisador no instituto de Potsdam e coautor do estudo. - A plataforma de gelo da Antártica Ocidental talvez já tenha sido levada a um estado de inexorável perda de gelo, seja como resultado da atividade humana ou não. Mas se quisermos deixar cidades como Tóquio, Hong Kong, Xangai, Calcutá, Hamburgo ou Nova York como nossa herança futura, precisamos evitar um estado deste na Antártica Oriental.



As projeções para a situação da plataforma de gelo da Antártica num prazo de 10 mil anos de acordo com os diferentes cenários de queima das reservas de combustíveis fósseis - Ken Caldeira/Ricarda Winkelmann

De acordo com os pesquisadores, o estudo computou o que já está acontecendo devido às emissões de gases do efeito estufa pela queima de combustíveis fósseis e ver o que isso causaria na calota de gelo da Antártica como um todo no futuro. As simulações levaram em conta os impactos do aquecimento da atmosfera e dos oceanos assim como mecanismos de reforço que podem acelerar os processos de derretimento e despejo da água, além de fenômenos que podem contrabalançar esta perda, como maior precipitação de neve. Mas embora os modelos ainda enfrentem muitas imprecisões, como dados incompletos sobre a topografia do solo antártico, as simulações são
consideradas bem adaptadas para projeções de longo prazo sobre a evolução da plataforma de gelo em uma escala continental.
- É muito mais fácil prever que um cubo de gelo em um quarto sendo aquecido vai eventualmente derreter do que dizer precisamente o quão rápido ele vai desaparecer – compara Ricarda.
Pelas projeções dos cientistas, se o aquecimento global não ultrapassar 2 graus Celsius, alvo frequentemente citado nas negociações sobre o clima, mas que muitos especialistas já consideram inalcançável, o degelo da Antártica elevaria o nível do mar em apenas alguns metros ao longo de milhares de anos, e permaneceria administrável. Mas um aquecimento maior poderia desestabilizar a plataforma de gelo do continente de maneira irreparável. No caso da região da Antártica Ocidental, este ponto sem volta chegaria em 60 a 80 anos de emissões nos níveis atuais,
o que representa apenas 6% a 8% do total de 10 trilhões de toneladas de carbono que seriam lançadas na atmosfera pela queima de todas as reservas acessíveis de combustíveis fósseis.
Assim, embora o estudo não preveja grandes aumentos na perda de gelo da Antártica neste século, no cenário de queima total o ritmo de elevação do nível do mar nos próximos mil anos ficaria na média em cerca de três centímetros anuais, levando a um aumento de 30 metros até o fim deste milênio. A partir de então, com menos gelo na Antártica, este ritmo diminuiria, mas ainda assim o degelo total aconteceria, fazendo os oceanos subirem 60 metros num prazo de 10 mil anos.
- As emissões de carbono ameaçam a plataforma de gelo da Antártica como um todo – conclui Ken Caldeira, pesquisador da Universidade de Stanford, nos EUA, e também coautor do estudo. - Se não pararmos de jogar CO2 (dióxido de carbono, o principal gás causador do efeito estufa resultante da queima de combustíveis fósseis) no céu, a terra que hoje é lar para mais de 1 bilhão de pessoas um dia estará submersa.
O Globo












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