quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Cientistas descobrem 'população fantasma' que deu origem a europeu moderno


Crânio de mulher de tribo caçadora-coletora da Suécia de 8 mil anos atrás foi um dos que teve o genoma sequenciado pelos pesquisadores
Foto: Fredrik Hallgren

Há cerca de 8 mil anos, as tribos de caçadores-coletores que ocupavam a Europa desde que saíram da África, dezenas de milhares de anos antes, viram a chegada de grupos humanos que já dominavam a agricultura, vindos do Oriente Médio, dando início a um processo de miscigenação que está por trás da formação de quase todos os povos atuais do continente. Mas esse cenário, traçado com a ajuda de diversos estudos genéticos e arqueológicos realizados nos últimos dez anos, mostrou-se incompleto, incapaz de traduzir a grande diversidade étnica e linguística observada na Europa, além de não oferecer explicação para descobertas recentes, como a da ancestralidade comum entre europeus e nativos norte-americanos.

Agora, porém, o sequenciamento do genoma de nove fósseis de antigos habitantes da Europa, somado aos dados genéticos dos estudos anteriores e à sua comparação com o DNA de mais de 2,3 mil europeus modernos, revelou a contribuição de um terceiro grupo na sua formação. Apelidado de “população fantasma”, esse grupo saiu do Norte da Eurásia em algum momento ainda desconhecido — acredita-se que talvez entre 5 mil e 4 mil anos atrás, depois de os caçadores-coletores e os agricultores terem se misturado. Sua presença ajuda a explicar não só a diversidade dos europeus atuais como sua relação com os indígenas da América do Norte, diz David Reich, professor de genética da Escola de Medicina da Universidade de Harvard
(EUA) e um dos principais autores da descoberta, publicada hoje na revista científica “Nature”.
— Antes desse artigo, os modelos que tínhamos para a ancestralidade dos europeus envolviam a mistura de duas populações. Agora mostramos que são três grupos — conta Reich. — Isso também explica a recente descoberta de uma conexão genética entre os europeus e os nativos americanos: o mesmo antigo grupo de eurasianos do Norte contribuiu para a formação de ambos.
Quando Reich e seus colegas de Harvard e da Universidade de Tübingen, na Alemanha, deram início ao estudo, a identidade dessa “população fantasma” era um mistério, já que não havia registros genéticos ou arqueológicos sobre ela. Em janeiro deste ano, no entanto, uma outra equipe de
pesquisadores publicou artigo com o genoma de restos humanos datados em 24 mil anos escavados na Sibéria, fornecendo as primeiras evidências da conexão genética entre os europeus atuais e os nativos norte-americanos.
Os nove fósseis que tiveram seus genomas sequenciados e analisados por Reich e sua equipe — um fazendeiro de cerca de 7 mil anos atrás encontrado na região da atual cidade alemã de Stuttgart e oito caçadores-coletores de 8 mil anos encontrados em Luxemburgo e na Suécia — não apresentam qualquer contribuição genética destes antigos eurasianos do Norte. Mas sua presença no DNA das populações atuais do continente mostra que eles só chegaram à Europa depois que os dois grupos originais já tinham começado a se misturar, como no caso de Ötzi, o “Homem do gelo”, cujos restos  
mumificados datados em cerca de 5 mil anos foram encontrados nos Alpes em 1991.
— Houve uma forte transmissão genética entre os caçadores-coletores e os agricultores, refletindo uma grande movimentação de novas pessoas chegando à Europa a partir do Oriente Médio — explica Reich. — Temos essa incrível observação de que apenas duas ancestralidades estão representadas entre os primeiros fazendeiros, de cerca de 7 mil a 5 mil anos atrás, e então, de repente, todo mundo hoje tem essa ascendência eurasiana do Norte. Assim, deve ter havido uma entrada posterior desses ancestrais na Europa.

CONTRIBUIÇÕES VARIAM SEGUNDO REGIÃO
As contribuições genéticas dos três grupos nas populações modernas da Europa, no entanto, varia de acordo com a região do continente. No Norte, a influência maior é dos caçadores-coletores, chegando a 50% no caso dos lituanos, enquanto, nos povos do Sul, é maior a presença do DNA dos agricultores vindos do Oriente Médio. Já o genoma dos eurasianos do Norte, apesar de se espalhar por quase todo o continente e até em populações entre o Cáucaso e o Oriente Médio, tem uma contribuição que não passa de 20%. Para identificar e medir essas influências, Reich e seus colegas tiveram ainda que desenvolver novos métodos de análise genética.

— Descobrir como essas populações se relacionam é extremamente difícil — conta. — Muita coisa aconteceu na Europa nos últimos 8 mil anos, e a História atua como um véu, dificultando o trabalho de discernir o que houve no começo desse período. Tivemos que encontrar ferramentas estatísticas que pudessem nos dizer o que se passou bem longe no passado sem sermos confundidos pelos 8 mil anos intervenientes de História em que grandes e importantes eventos se desenrolaram.
A descoberta da origem da “população fantasma” presente nos genomas tanto de europeus modernos quanto dos nativos norte-americanos também acabou por criar um novo mistério. Os dados do estudo revelaram que os primeiros agricultores que chegaram à Europa vindos do Oriente Médio têm como ancestral uma linhagem ainda não identificada, que a equipe de Reich apelidou como “eurasianos basais”. Eles teriam sido o primeiro povo a se separar do grupo maior, já com características não africanas, antes de este se diversificar em populações como a dos aborígenes australianos, a dos indianos, a dos próprios nativos norte-americanos e outros caçadores-coletores espalhados pelo planeta.
— Essa antiga linhagem de ancestralidade não africana se ramificou antes de todas as outras se separarem umas das outras — acredita Reich. — Ainda há muitas questões importantes em aberto sobre como as pessoas do mundo de hoje ficaram do jeito que são. A maneira tradicional com que os geneticistas estudam isso é pela análise das pessoas atuais, mas isso é muito difícil porque elas refletem muitas camadas de mistura e migrações. Assim, o sequenciamento de DNAs antigos é uma tecnologia poderosa que nos permite voltar aos lugares e períodos em que aconteceram importantes eventos demográficos. Ele representa uma grande nova oportunidade para aprendermos mais sobre a História humana.
O Globo.com








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