segunda-feira, 25 de agosto de 2014

O limite dos oceanos

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O trabalho de dois climatologistas chineses, publicados na revista científica americana Science, explica o que pareceu uma pausa no processo de aquecimento global e levou, temporariamente, observadores céticos quanto a essa mudança, a um contrataque, em especial devido a contribuição humana com uso de combustíveis fósseis.
Segundo Xianyao Chen e Ka-Kit Tung, ambos da Universisty of Washington,  o Oceano Atlântico absorveu um calor excedente e dragou essas temperaturas mais elevadas para áreas mais profundas de sua bacia.
A pausa no processo contínuo de aquecimento ocorreu entre 1999/2012.
No período anterior, 1985/1998, a elevação de temperaturas vinha num crescendo.
A climatologia é uma área complexa da ciência e isso é o bastante para desestimular versões que, à primeira vista, parecem óbvias como a descoberta, no século 19, pelo físico-químico e Prêmio Nobel sueco Svant Arrhenius (1859-1927), de que o dióxido de carbono (ou gás carbônico) é um aprisionador de calor atmosférico.
 Assim, se aumentar a concentração desse (e de outros gases de efeito estufa) o resultado seria, inevitalmente, um aquecimento do envoltório de gases que envolvem a Terra, compondo a atmosfera.
A questão aqui é que outros processos poderiam compensar ou ao menos amenizar esse fenômeno, como a formação de uma capa mais perene e espessa de nuvens ˗ resultado da evaporação ˗ e isso refletiria como um espelho parcela da radiação solar que, antes disso, atingia a superfície do planeta.
Ainda assim, no entanto, não conviria “varrer para baixo do tapete”, o fato de que a concentração de gás carbônico na atmosfera passou de 280 ppm (partes por milhão) à época da previsão de Arrhernius para 400 ppm  em 9 de maio do ano passado.
Essa constatação (400 ppm) foi feita do topo do vulcão extinto de Mauna Loa, no Pacífico, um amostrador científico ideal por sua localização distante de centros urbano-industriais capazes de contaminar as medidas.
A discussão em torno do aquecimento global com mudanças climáticas por efeito antrópico é uma evidência clara de que a ciência, como qualquer outra atividade humana, é permeada por efeitos político-ideológicos que, à primeira vista, seriam incompatíveis com a metodologia científica.
Otimismo precoce
O trabalho da dupla de cientistas chineses, num primeiro momento, pode sugerir certo alívio, com a idéia de que as grandes massas de água oceânicas absorvem o calor excedente aprisionado na atmosfera e com isso um equilíbrio desejável é mantido.
Ocorre que o processo é bem mais complexo que isso, o que faz crescer os níveis de preocupação quanto ao futuro imediato do perfil climático da Terra com influência em toda forma de vida.
Para começar, a absorvação de excedentes de gás carbônico implica em acidificação dos oceanos e comprometimento profundo das formas de vida que eles abrigam.
Além disso, não se sabe até quando os oceanos do mundo podem absorver gás carbônico sem sofrerem um processo parecido ao que os físicos chamam de “mudança de fase”. Quando a água muda da forma sólida do gelo para a líquida, ou mesmo gasosa.
Processos como a defaunação, o desaparecimento de animais de ambientes que parecem sadios, tem relação com mudanças climáticas a partir do aquecimento global?
Ainda não se tem resposta para esta pergunta.
O que se sabe, para além da defaunação, é que o planeta passa por uma aceleradíssima perda de biodiversidade. E se o especismo (idéia de que a espécie humana é o principal legado da vida, com direito a explorar todas as outras) não for capaz de se sensibilizar com essa situação, é preciso lembrar que a teia de relações fará com que, a certo estágio desse processo, os humanos sintam o peso dessa nova realidade.
Como isso pode se manifestar?
A mudança climática deve impactar o regime de chuvas em escala global e a distribuição de água potável, pelo ciclo hidrológico, afeta tanto o abastecimento hídrico para consumo humano como para atividades agropecuárias e industriais.
As torneiras secas durante certas horas da noite em boa parte da megalópole de São Paulo é um exemplo de que essas cenas são parte da realidade atual e não ficção distante.
Os céticos do aquecimento global com mudanças climáticas, que inicialmente envolveu o setor ligado aos combustíveis fósseis e um  pensamento politicamente conservador (em alguns casos, reacionários) negou o processo desde o início sem embasamento científico. Aqui prevaleceu apenas a opinião desses críticos.
Pode-se argumentar que os defensores do aquecimento global com mudança climática a partir de contribuições antrópicas também não dispunham ˗ ao menos de início e pode-se dizer, neste exato momento ˗ mas há uma diferença radical entre esses dois grupos.
A admissão do aquecimento como resultado de atividades humanas (o que não nega a participação de efeitos naturais em um ou outro sentido, já que esses fenômenos não cessaram e nem cessariam abruptamente), no entanto, acena com a possibilidade de mudança de atitudes e isso é fundamental de um ponto de vista tanto pessoal como social.
Ponto de não retorno
Há quem duvide, em função da complexidade do clima referido inicialmente, que mesmo uma mudança radical, um corte completo na emissão de gases de efeito estufa por atividades humanas não seria capaz de deter o aquecimento com mudanças climáticas.
A razão por trás disso é uma certa inércia.
Um navio que se dirige sem controle rumo ao cais, mesmo que tenha seus propulsores desligados, ainda viajará certa distância antes de ser paralisado pelo atrito com a massa de água sobre o que desliza.
A inércia que governa nosso barco virtual pode fazer com que ele destrua o cais e se destrua sem que nada possa evitar a tragédia.
Isso significa que, de um ponto de vista climático, teríamos chegado a um ponto sem retorno?
Essa é outra pergunta para a que também não se tem resposta.
Na dúvida, a sociedade humana não deveria adotar medidas preventivas e acauteladoras?
Respostas mais cínicas podem dizer que, de certa maneira, isso nunca ocorreu e nem ocorrerá, no que podem estar corretas.
Mas, em escala planetária e por razões que dizem respeito à qualidade de vida, ou mesmo à sobrevivência de cada um, uma ameaça dessa natureza é inédita na historia da civilização. O que significa que não foi respondida antes.
função da ciência e da cultura em geral (evidentemente que a ciência é parte da produção cultural e não algo à parte, como se ouve dizer mesmo em ambientes onde essa maneria de pensar não passa de limitação intelectual) é alimentar um substrato mental, uma concepção sobre o que o mundo é, a partir de olhos humanos.
Então, se a função da ciência é um refazer constante do substral mental social, e a divulgação de ciência um mecanismo indispensável neste processo, é de se esperar que a ciência possa sensibilizar os humanos para as perspectivas do futuro a partir de toda aventura, enquanto espécie, que vivenciamos desde o passado mais remoto.
Neste sentido, o aquecimento global com mudanças climáticas diz respeito a uma civilização (a única que conhecemos até agora) em um dos possíveis numerosos mundos habitados, no corpo da Galáxia, ou no bojo de muitas das bilhões de galáxias que dançam ao compasso da gravidade no salão cósmico.
Em princípio, ainda que possa parecer exagero, tudo está em aberto.
Este pode ser tanto mais um desafio ˗ entre os infinitos já enfrentados pelo Homo sapiens, desde que elevou-se sobre duas pernas, construiu ferramentas, desenvolveu a linguagem e forjou a cultura para que pudesse se desenvolver ˗ como o começo de um fim.
Isso tudo pode, também, parecer pura ficção.
Ocorre que, neste momento, aparentemente realidade e ficção se confundem como em nenhum outro momento da historia humana.
Scientific American Brasil

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