quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Crateras misteriosas são só uma das surpresas árticas


Não são apenas crateras supostamente escavadas por alienígenas na Rússia, são também megadeslizamentos, gelo que queima e árvores “embriagadas”. O contínuo degelo do solo permanentemente congelado (perfrost ou pergelissolo) que cobre quase 25% das terras no hemisfério norte tem gerado uma série de fenômenos surpreendentes.
As temperaturas em todo o Ártico estão subindo cerca de duas vezes mais rápido que no resto do mundo, em grande parte devido à redução da quantidade de luz solar refletida pelo solo branco, coberto de neve. “Em algum momento poderemos entrar em um estado de permafrost que não é comparável com o que conhecemos há uns 100 anos mais ou menos; estão ocorrendo alguns processos novos que nunca aconteceram antes”, adverte Guido Grosse, geólogo do Instituto Alfred Wegener para Pesquisa Polar e Marinha na Alemanha.
As misteriosas crateras no extremo norte da Rússia são apenas um exemplo. “Não há nada descrito na literatura científica que possa realmente explicar plena e satisfatoriamente essas crateras”, admite Grosse, que nesse verão boreal estará viajando para o delta do rio Lena, na Sibéria, onde se encontra uma estação de pesquisa conjunta teuto-russa.
A explicação mais provável para as crateras recém-descobertas é um acúmulo de metano ao longo de séculos ou mais, que ejetou da terra em descongelamento em algum momento nos últimos anos. “Uma pressão elevada se acumulou e o solo literalmente se escancarou”, explica o biogeoquímico Kevin Schaefer do Centro Nacional de Dados de Neve e Gelo dos Estados Unidos. “Se elas realmente são causadas pelo derretimento de gelo de metano, devemos esperar ver mais”.
Essas crateras se transformarão em lagos que descongelarão ainda mais o permafrost ao redor e abaixo delas uma vez que a água retem mais calor do sol. Novos lagos similares estão se formando em depressões na paisagem irregular, conhecida como termocarste, e que também está em processo de degelo em todo o Ártico.
Esses lagos termocársticos e os pântanos vizinhos criam condições lamacentas que favorecem microrganismos que decompõem material orgânico de plantas mortasem metano. Emseguida, esse metano borbulha para fora dos lagos e do solo e, onde estiver concentrado, pode até pegar fogo, resultando em casos de chamas que dançam sobre o gelo.
Mais difundidas que crateras explosivas ou gelo que queima são as árvores “embriagadas”. Quando o permafrost derrete, o solo que antes era tão sólido como concreto se transforma em lama, uma vez que em algumas partes do Ártico até 80% do terreno é constituído de gelo.
E como gelo ocupa mais espaço que água, o chão afunda (um fenômeno geológico chamado subsidência), fazendo com que árvores que cresciam retas, em posição vertical, se inclinem para os lados à medida que o solo se liquefaz embaixo delas.
Em consequência disso, florestas inteiras estão pensas, como se fossem um exército de ébrios. Isso também é uma má notícia para a moderna infraestrutura no Ártico: estradas, oleodutos e alicerces de construções afundam em lama e racham, ou paisagens inteiras sofrem o efeito de subsidência. “Em longo prazo haverá enormes impactos econômicos e sociais decorrentes da degradação do permafrost”, prevê Schaefer.
Nos lugares onde o terreno é inclinado podem ocorrer coisas piores: deslizamentos, parecidos com rios de lama que se movem lentamente, podem minar áreas de40 hectaresou mais e atingir larguras de mais de um quilômetro.
Os maiores megadeslizamentos (megaslumps, em inglês) podem avançar pela paisagem à razão de um quilômetro por década e não parecem dar sinais de que vão parar. Um deslizamento na Rússia, que deixou cientistas perplexos, penetrou mais de70 metrosde profundidade no permafrost e continua crescendo depois de ter se originado na década de 70, revela Grosse.
A maior preocupação do degelo do permafrost, no entanto, talvez seja uma liberação súbita e massiva de metano no oceano Ártico e/ou no permafrost. O metano prende pelo menos oito vezes mais calor que o dióxido de carbono (CO2) ao longo de décadas, acelerando ainda mais o aquecimento global.
A má notícia no quesito metano são os aumentos visíveis da quantidade desse gás produzido no Ártico — um crescimento de cerca de 8% em 30 anos, de acordo com registros da estação meteorológica canadense de Alert, nos Territórios do Noroeste. Além disso, expedições oceânicas têm observado metano borbulhando de gelo de metano no fundo do oceano Ártico. A boa notícia é que dados de satélites que cobrem largas faixas do Ártico e remontam a décadas passadas agora mostram poucas alterações nas concentrações atmosféricas do potente gás de efeito estufa. “Por que isso ocorre ainda não sabemos”, admite Grosse.
A maior parte dos gases de efeito estufa liberada por esse degelo ártico será CO2. E o degelo do permafrost prosseguirá à medida que níveis crescentes de gases de efeito estufa na atmosfera retiverem cada vez mais calor, dando início a um ciclo de feedback que derreterá ainda mais o Ártico. Simulações computadorizadas preveem que até meados do século até um terço (30%) da área de permafrost no Alasca poderia descongelar, pelo menos na superfície, com proporções semelhantes no Canadá e na Sibéria.
Uma vez que o degelo começa e as plantas mortas congeladas que compõem os três primeiros metros mais ou menos do permafrost se transformarem em alimentos para microrganismos que liberam CO2, o processo é irreversível. “Você não pode congelá-lo novamente” alerta Schaefer. “Uma vez que a decomposição tem início é impossível pará-la; e ela persiste por séculos”.
O permafrost já contém vastas quantidades de carbono armazenado. De acordo com as estimativas, algo em torno de 1,7 trilhão de toneladas, ou mais que o dobro do que se encontra na atmosfera atualmente. Nem todo o permafrost descongelará no futuro próximo; mesmo por que, algumas áreas se estendem a 700 metros de profundidade, mas até 2100 poderiam ser liberadas até 120 bilhões de toneladas de carbono.
Isso é suficiente para elevar as temperaturas médias globais em quase um terço de um grau Celsius. “Esses são números grandes”, observa Schaefer. Mas “na realidade eles são pequenos quando comparados aos projetados para os resultantes da queima de carvão, petróleo e gás natural. Essas emissões simplesmente são imensas”.
Os modelos computadorizados que fornecem essas estimativas de quanto desse carbono pode ser liberado presumem um degelo gradual do permafrost. Essa previsão poderia provar estar errada com base em observações feitas até agora. Processos de degelo como deslizamentos e formação de lagos já estão acontecendo a um ritmo mais acelerado e afetando regiões maiores que o esperado. Segundo Grosse: “podemos estar sendo muito conservadores em nossa estimativa”.
O degelo aciona um conjunto de complexas forças naturais e algumas delas poderiam contrariar a tendência aparentemente inexorável de aquecimento. Árvores e arbustos continuarão se propagando rumo ao norte graças a temperaturas mais amenas e uma estação de crescimento mais longa. Essas árvores, por sua vez, absorvem CO2 do ar. O novo Observatório Orbital de Carbono da Nasa deve ajudar a esclarecer quanto CO2 desse Ártico verdejante será extraído do ar. E mesmo os lagos termocársticos poderiam estar enterrando algum carbono, pelo menos ao longo de milhares de anos à medida que sedimentos lacustres enterram plantas e algas mortas.
Até a quantidade de degelo garantida pelas emissões de gases de efeito estufa até hoje não está clara. “Estamos tentando descobrir isso”, justifica Schaefer. Além disso, as próprias regras que regeram os processos árticos durante os últimos 100 anos mais ou menos de exploração moderna talvez não se apliquem mais.
A velocidade do descongelamento em curso poderia acelerar e acontecer em décadas ou o degelo poderia ser lento e se estender por séculos e milênios. “Quais são os limites de degelo do permafrost?”, pergunta Grosse. “Realmente não sabemos”.
Existem tentativas para expandir o monitoramento do Ártico, mas enormes lacunas persistem devido à sua vasta extensão e condições adversas. Como na maioria das ciências, observações feitas até hoje estão limitadas aos lugares de mais fácil acesso para cientistas, e não a pontos vantajosos onde se instalaria equipamentos de monitoramento para garantir a maior cobertura possível.
Entre questões de pesquisa emergentes em torno do Ártico no Antropoceno, uma suposta nova era geológica vinculada a impactos humanos relativamente recentes no planeta, mas de escopo planetário, o destino do permafrost paira como um grande conhecido desconhecido, um grande ponto de interrogação, como a Academia Nacional de Ciências americana reconheceu em um relatório em abril passado.
Uma coisa, no entanto, está clara: até agora, o Antropoceno provou ser hostil ao gelo e isso vai piorar à medida que surgir um novo Ártico. “Essa situação não tem precedentes”, ressalta Schaefer. “Quanto mais rápido você queimar combustíveis fósseis, mais rápido o Ártico esquentará”.
Scientific American



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