segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Agricultura impulsiona propagação de algas mortais


As chuvas da primavera chegam e regam os brotos de mais uma abundante safra de milho em Ohio, Indiana e Michigan, no centro-oeste americano. Elas também escoam o fósforo das lavouras para riachos, córregos e rios. E fluem para o lago Erie, o mais raso dos Grandes Lagos, com uma profundidade média de apenas 18 metrose muito menos que isso em sua margem ocidental.
Todo esse fósforo não estimula apenas o crescimento de plantas de cultivo. Quando o elemento, um componente de fertilizantes, chega ao lago ele alimenta a formação de grandes “camas” de brilhantes algas verdes que deixam suas águas da cor de sopa de ervilha.
As cianobactérias do gênero Microcystis contêm venenos — pelo menos 80 variedades diferentes de uma toxina chamada microcistina — e quando as águas rasas empurram uma grande quantidade de algas até tubulações de captação certas, uma cidade inteira, como Toledo, fica sem água.
“A maioria das estações de tratamento de água está atenta à toxina”, observa Don Scavia, engenheiro ambiental, diretor do Instituto Graham de Sustentabilidade Ambiental da University of Michigan, e perito nessas florações nocivas. “Quando elas ocorrem, as opções são tratar a água, o que é muito caro; ou fechar a instalação para desintoxicação”.
De acordo com a Agência de Proteção Ambiental americana (EPA), essas perigosas florações estão se tornando mais comuns e já afetam todos os 50 estados. No ano passado, um município perto de Toledo teve que fechar sua instalação e suspender temporariamente seu fornecimento de água [matéria em inglês] devido a um problema de algas.
Mas essas florações algáceas não estão confinadas à água doce. No mar, ao largo das costas, proliferações similares de extensos tapetes de algas criam zonas mortas em que microrganismos consumidores de algas mortas gastam todo o oxigênio disponível na água, matando vida marinha imóvel (séssil) ou que se move lentamente. Essas zonas não estão aumentando apenas nas regiões litorâneas e águas interiores dos Estados Unidos, mas em todo o mundo.
Este ano, a zona morta oceânica na foz do rio Mississippi cobriu, até agora, uma área aproximadamente igual à de Connecticut (14.357 km²) depois de atingir proporções iguais às de Massachusetts (27.336 km²) em 2013. Florações algáceas de água doce, como a que suspendeu o fornecimento de água potável em Toledo, custam centenas de milhões de dólares por ano aos Estados Unidos. Elas também ocorrem em países como o Brasil e a China.
Temperaturas mais quentes durante o verão, chuvaradas mais violentas e ciclos de crescimento mais longos — condições que deverão se acentuar à medida que as mudanças climáticas continuarem — só tornarão os ambientes aquáticos ainda mais hospitaleiros para essas cianobactérias, uma das formas de vida mais antigas na Terra.
As algas têm florescido mais cedo e persistido até mais tarde nos últimos anos. Além disso, mudanças ecossistêmicas na lago Erie podem estar contribuindo para o problema. “Mexilhões zebra e quagga no lago também podem ser importantes porque eles não consomem a espécie Microcystis, favorecendo sua expansão porque eles preferem outros tipos”, explica Scavia.
A florescência que levou à suspensão do fornecimento de água potável em Toledo só está começando a se expandir, embora a água de torneira já esteja novamente potável. A grande camada persistirá até o outono boreal, provavelmente atingindo seu picoem setembro. Essasmanchas álgicas não se limitam ao lado Erie: florescências semelhantes ocorreramem Green Bay, às margens do lago Michigan, eem Saginaw Bay, no lago Huron.
A microcistina é uma toxina bastante perigosa; mais potente em doses menores que o poderoso pesticida DDT, mercúrio neurotóxico, e até o venenoso cianeto. Em humanos, ela pode causar danos ao fígado, vômitos, diarréia e dores abdominais. Sua prima, a anatoxina, envenena o sistema nervoso central. O tratamento da água exige a adição de substâncias químicas e carbono para eliminar as toxinas por filtragem. E água potável não pode ser simplesmente fervida para matar as algas, porque isso pode romper as células de cianobactérias, liberando ainda mais toxinas.
Os estados que margeiam o lago Erie acreditavam ter resolvido o problema algáceo ao eliminar fosfatos em detergentes que vinham entrando no lago através das estações de tratamento de esgotos. Essas medidas reduzem o teor de fósforo de quase 30 mil toneladas/ano para pouco mais de 10 mil/ano. Mas “mudanças nas práticas agrícolas contribuíram para um escoamento maior”, explica David Dempsey, um assessor de política na Comissão Conjunta Internacional (IJC, na sigla em inglês).
O órgão independente foi criado em 1909 pelo Canadá e os Estados Unidos para lidar com águas compartilhadas, como as dos Grandes Lagos. Em fevereiro, a comissão divulgou um relatório [em pdf] sobre o assunto “Uma dieta equilibrada para o lago Erie: reduzir as descargas de fósforo e as nocivas florações de algas” [A Balanced Diet for Lake Erie: Reducing Phosphorus Loadings and Harmful Algal Blooms]. “Em certa medida isso está impulsionando as melhorias feitas através da redução de fósforo em detergentes”, acrescenta.
Reduzir o fósforo que vem de fazendas será um desafio muito maior que limpar estações de tratamento de esgoto, uma exigência feita pela Lei da Água Limpa, de 1972. Até agora, só programas voluntários foram colocados em prática para combater enxurradas/escoamentos. “Essas medidas são insuficientes”, adverte Rajesh Bejankiwar, líder da força-tarefa da IJC que combate a poluição de fósforo nos Grandes Lagos.
As lavouras na bacia do lago Erie despejam quase1.581,47 gramasde fósforo por hectare no lago, ou mais de 60% do fósforo que atualmente chega à água. Como resultado, 2011 foi palco da maior floração de algas da história registrada no lago Erie. O problema é agravado por nutrientes que escoam junto com os resíduos de grandes fazendas de pecuária, além do esgoto tratado de cidades como Buffalo, Cleveland e Detroit.
A ideia básica para reduzir o escoamento de fazendas é simples: aplicar apenas a quantidade certa de fertilizante, de forma orientada, no momento apropriado, exatamente onde ele pode fazer o maior bem para as culturas, e ter a menor chance de simplesmente escoar com as enxurradas da chuva. De acordo com a IJC, isso significa, entre outros, o fim das aplicações de outono, inverno ou início da primavera para preparar campos para o período de crescimento.
Zonas tampão de folhagens e terras pantanosas também podem ajudar a filtrar o fósforo, mas essas terras marginais têm sido crescentemente aproveitadas para cultivar ainda mais milho, à medida que os preços dessa cultura têm aumentado nos últimos anos graças a uma determinação federal para produzir etanol de milho como combustível para carros. “A coisa mais importante que pode ser feita é reduzir o escoamento agrícola”, recomenda Bejankiwar. “Prevenir é melhor que remediar (ou, no caso, tratar)”.
Scientific American

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