terça-feira, 25 de março de 2014

China declara "guerra contra a poluição"

Uma das mais espetaculares conversões compulsórias à causa do desenvolvimento sustentável se dá neste momento na China. E não por outra razão senão pelo fato de que todas as medidas anunciadas pelos governos locais contra a poluição do ar em algumas das mais importantes cidades chinesas - inclusive Pequim –  têm se revelado impotentes diante de tanta fumaça, poeira e materiais particulados.
Quando o primeiro-ministro Li Keqiang declarou há uma semana “guerra contra a poluição” se comprometendo a combatê-la “com a mesma determinação com que lutamos contra a pobreza”, chamava para o governo central a responsabilidade de apresentar novas soluções para um problema cada vez mais incômodo.
“A natureza já lançou um alerta vermelho contra o modelo ineficiente e cego desenvolvimento", afirmou Li, ao justificar na Assembléia Nacional Popular porque as medidas ambientais aparecem reunidas em uma das 9 grandes metas que o país deseja alcançar até 2030.
Modernizar e reequipar as térmicas a carvão (principal fonte de energia do país), fechar 50 mil pequenos fornos de carvão para múltiplos usos este ano, retirar 6 milhões de veículos ineficientes das ruas (e substituí-los por modelos menos poluentes), manter a política de reduzir a intensidade do consumo de energia por unidade do PIB (a redução prevista para este ano é de 3,9%) e reflorestar o país em ritmo acelerado (meta para este ano é de plantar árvores em uma área equivalente a 330 mil campos de futebol) são algumas das medidas emergenciais anunciadas em resposta a esse imenso desconforto que se estende por toda a região norte do país.
Não se sabe exatamente se elas darão o resultado esperado, ou se no próximo inverno chinês o ar estará menos poluído do que nesses dias em que o nível de poluição ficou 26 vezes acima do máximo considerado seguro pela Organização Mundial da Saúde.
Sem esperar pelo governo, a população faz o que pode para escapar das estatísticas de morte e doenças causadas pela poluição do ar (aproximadamente 8 mil óbitos por ano apenas em Pequim). O mais popular aplicativo usado na capital chinesa é o que informa on line a concentração de poluentes e os riscos disso para a saúde. Um dos produtos mais cobiçados do mercado são os filtros de ar instalados em escritórios e residências, e que prometem reduzir a quantidade de poluentes. A situação chegou a tal ponto que a Panasonic japonesa decidiu oferecer um pagamento extra aos funcionários que trabalham na China em reconhecimento aos riscos de inalação de tantas toxinas e venenos presentes no ar.
A CCTV, um dos principais canais de notícias chinês (com programação em inglês veiculada para o mundo todo) abre generosos espaços para a promoção de debates, entrevistas e reportagens especiais sobre a onda de poluição.
Dados oficiais do próprio governo indicam que de todos os imigrantes que obtém autorização para deixar o país, aproximadamente 70% declaram que o principal motivo é a poluição. O Departamento de Imigração registrou este ano um crescimento de 50% nos pedidos de viagem para estudar ou trabalhar em países estrangeiros.
Coincidentemente, neste mesmo inverno no hemisfério norte, Paris, a cidade–luz, se transformou na cidade das trevas debaixo de uma onda de fumaça que obrigou as autoridades a franquearem as passagens dos transportes públicos por três dias e anunciarem a retomada do rodízio de automóveis nas ruas depois de quase 30 anos.
Saturadas de automóveis e com o trânsito colapsado, as capitais brasileiras não medem adequadamente a poluição do ar nem aplicam com a devida severidade as medidas restritivas que poderiam reduzir riscos desnecessários à saúde dos cidadãos.
As agruras sofridas nas últimas semanas por milhões de pessoas acima da linha do equador são didáticas e muito inspiradoras para nossos gestores públicos por aqui.
Se a principal causa da poluição do ar nas nossas cidades é a descomunal frota automobilística que cresce em progressão geométrica com ajuda do governo (as montadoras de carros elevaram de 16% para 46% sua participação na indústria nacional em apenas dez anos com muitos subsídios governamentais) é necessário que isso não comprometa o mais precioso patrimônio do povo brasileiro: sua saúde.
Que o nosso ar, invisível e solenemente ignorado por todos, não seja mais alvo de tanta indiferença.
(André Trigueiro p/ o G1)

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