terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Derretimento dos Andes ameaça cidades da América do Sul

Quase dois quilômetros acima desta cidade (foto ao lado) de quase oito milhões de habitantes está um mundo escarpado, escondido pela neblina, silencioso exceto pelo gotejar da água e do vento sussurrante que sopra pela tundra sem árvores. Este é Chingaza, um parque nacional a 64km de Bogotá, do lado leste dos Andes Colombianos.
Conhecidos como páramos, esses ecossistemas a mais de 3350 metros acima do nível do mar existem apenas nas Américas Central e do Sul, majoritariamente na Colômbia. Os páramos se parecem com uma espécie de arquipélago alpino, cada um sendo um elo na corrente de ecossistemas distintos de ilhas que evoluíram isoladas e produziram plantas que não são encontradas em nenhum outro lugar do planeta. Eles desempenham um papel crucial na manutenção de um suprimento constante de água para milhões de pessoas em cidades grandes como Bogotá e Medellín. Juntamente com as florestas abaixo, os páramos protegem essas cidades e as zonas rurais circundantes de inundações massivas.
A Colômbia é um dos países mais úmidos da Terra, sua segunda temporada anual de chuvas começou em setembro. Nos últimos dois anos, porém, algumas partes do país tiveram pouco descanso do dilúvio destrutivo durante épocas do ano que são tradicionalmente mais secas.
A La Niña – o padrão climático que provoca temperaturas de superfície incomumente frias no Pacífico leste – foi vista como a principal culpada. Mas cientistas acreditam que a mudança climática também é tem influência nas inundações que afetaram três quartos da Colômbia nos últimos dois anos, custaram bilhões de dólares e deixaram centenas de mortos.
Conforme a mudança climática converge com a invasão humana dessas montanhas, a degradação de altos sistemas andinos está acelerando. E há preocupações crescentes de que essas custosas enchentes se tornem um problema crônico mesmo que a mudança climática leve a secas prolongadas na região.
Páramos e florestas nubladas funcionam como uma peça finamente ajustada de engenharia ecológica que administra o fluir de água das altas montanhas para os lagos e rios abaixo. Os páramos agem como uma esponja, absorvendo e depois conduzindo enormes quantidades de água para o lado da montanha até as florestas encobertas de nuvens. De lá a água é novamente filtrada e direcionada em rios e reservatórios que matam a sede de grandes áreas urbanas sem erodir o solo – fator crucial na proteção contra enchentes.
A precipitação anual em Chingaza, que fornece cerca de 80% da água de Bogotá, se aproxima de quatro metros em algumas áreas. Nem todos os páramos são tão úmidos quanto Chingaza, mas todos têm um papel vital tanto para armazenar a água quanto em regular seu fluxo.
“Lagos bem preservados em grandes altitudes e as turfas ajudam a proteger as terras baixas de inundações ao reduzir a velocidades das correntes. Depois da purificação da água, um dos mais importantes serviços dos páramos é o controle de enchentes”, explica Daniel Ruiz, professor associado de engenharia ambiental da Escola de Engenharia de Antióquia e pesquisador do Instituto Internacional de Clima e Sociedade da Columbia University.
Uma das características mais proeminentes dos páramos são plantas grandes, verde-prateadas, chamadas de espeletia, mais comumente conhecidas como frailejón. A planta é onipresente, pontilhando a fria paisagem até onde os olhos podem ver.
Há uma variedade de teorias sobre como a temperatura cada vez mais alta do ar e sobre como os padrões alterados de precipitação podem afetar esses ecossistemas no futuro. Mas a mudança já chegou.
Em 2011, o Instituto Interamericano para Pesquisa em Mudanças Globais e o Comitê Científico de Problemas do Meio-Ambiente publicaram um relatório conjunto avaliando a mudança climática e a biodiversidade nos Andes. O relatório aponta que a região não está apenas enfrentando ameaças da mudança climática futura, mas que já está passando por “mudanças significativas em temperaturas, regimes de chuvas e padrões climáticos sazonais”.
As estações chuvosas extremas e prolongadas de 2010 e 2011 oferecem uma ideia dos danos que essas mudanças podem levar a áreas urbanas no futuro. Em Medellín, chuvas pesadas criaram rios no centro da cidade e levaram a deslizamentos devastadores. Em um dos casos, mais de 100 pessoas morreram ou desapareceram depois de uma avalanche de lama enterrar dezenas de lares em uma encosta da cidade.
O Rio Bogotá, afogado com sedimento e lixo, transbordou e inundou áreas vizinhas baixas dentro e fora da capital da nação. Ao todo, mais de três milhões de colombianos – aproximadamente 7% da população total – ficaram desabrigados ou sofreram danos significativos a seus lares somente em 2011 como resultado de inundações, de acordo com o Banco Mundial.

Modelos preveem que é provável que o aquecimento nos Andes contribua tanto para mais enchentes quanto para mais secas na região, conforme os ambientes montanhosos mudam. De acordo com o relatório do Instituto Interamericano, a temperatura média dos Andes subiu 0,7 graus Celsius nos últimos 60 anos. Isso é semelhante à média global, mas ecossistemas de grande altitude dos Andes tropicais, como páramos e florestas úmidas, são particularmente sensíveis ao aquecimento – da mesma forma que recifes de coral, geleiras e regiões polares.
A pesquisa da mudança climática aqui ainda está em seus estágios iniciais, e cientistas ainda estão tentando descobrir quais mudanças nas altas montanhas são resultado da mudança climática, e quais são mais provavelmente resultado de outras mudanças provocadas por atividades humanas como agricultura, pecuária e mineração. Pesquisas sugerem que uma combinação de ambas seja responsável por aumentar temperaturas e reduzir espécies-chave, incluindo alguns frailejónes.
A equipe fez medidas minuto-a-minuto de condições como precipitação, temperatura, vento, taxa de evaporação e quantidade de água no solo.
Eles também usaram dados de precipitações na Colômbia do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, em inglês) para modelar mudanças em diferentes cenários de temperatura e precipitação. Os pesquisadores fizeram modelos de páramos degradados pela agricultura e mineração, e também de ambientes protegidos, como Chingaza. Os resultados de Tobón confirmam o que outros modelos estão mostrando: a precipitação provavelmente diminuirá nos páramos e nas florestas andinas de grande altitude, talvez até levando a secas prolongadas.
Mas condições mais secas não significam necessariamente menos risco de inundação – na verdade, é o oposto. Em suas próprias estações de pesquisa nos Andes do norte, Ruiz notou incidências cada vez maiores de chuvas extremas, que tendem a provocar mais escoamento e erosão do solo. É uma receita perfeita de inundações.
“Períodos mais secos estão se tornando mais longos, e estações úmidas estão ficando mais intensas”, apontou ele. “Os páramos estão, portanto, sendo lavados por tempestados intensas e curtas, e aguaceiros que não podem ser contidos por uma vegetação adaptada a chuviscos”.
Mudanças climáticas locais têm sua parcela de responsabilidade. A conversão de florestas de montanha em pastagens e lavouras aumentou temperaturas na região, provocando uma elevação do nível de nuvens – o suficiente para deixar algumas florestas úmidas inicialmente envolta na neblina e páramos abaixo da névoa, e aumentar a radiação solar. De acordo com Ruiz, essa diminuição na cobertura de nuvens é uma das maiores contribuintes para o estresse climático nos páramos.
A convergência de mudanças locais e globais compõe os impactos sobre frágeis, mas importantes, ecossistemas montanhosos elevados. Mais radiação e temperaturas mais altas fazem com que plantas normalmente encontradas em elevações mais baixas se concentrem nas partes mais altas. Espécies invasivas de plantas, animais e espécies também migram, perturbando a delicada maquinaria biológica que fazem os páramos e as florestas elevadas funcionarem como um sistema de distribuição e armazenagem de água finamente ajustado.
Conforme a consciência da mudança climática e de outros tipos de degradação ambiental cresce, o governo colombiano começa a responder, em um projeto de restauração de páramos.
Parte desse esquema inclui um treinamento para os fazendeiros e rancheiros locais aprenderem a usar práticas mais sustentáveis. A Conservation International está desenvolvendo um projeto de carbono florestal, usando a venda de créditos de carbono para compensar os donos de terra por separar porções de suas terras para conservação e restauração de florestas.
“Quando se compreende que esses ecossistemas estão oferecendo serviços importantes – não apenas o suprimento hídrico, mas a regulação de água, observou Patricia Bejarano-Mora, coordenadora de planejamento do uso de terras para o escritório colombiano da Conservation International, "talvez a solução não seja um trabalho de engenharia, como a construção de diques, mas a conservação de florestas e da eco-hidrologia”, adicionou ela. “Políticos estão começando a reconhecer isso”.
Scientific American

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