quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Liberdade, Igualdade e Fraternidade nos Andes

Oito anos antes da Revolução Francesa, indígenas bolivianos liderados por Tupac Katari cercaram La Paz para reivindicar o direito de escolher seus próprios governantes. Era o início de uma luta que continua viva na região.
Em outubro de 2003, a população aimará da Bolívia bloqueou estradas e cercou a cidade de La Paz, isolando-a do resto do país. A capital ficou sem combustível e sofreu com a escassez de alimentos. O então presidente Gonzalo de Lozada, enviou o exército para pôr fim ao cerco. O resultado foi um banho de sangue: mais de 70 mortos e inúmeros feridos. Os rebelados, no entanto, não cederam e sairam vitoriosos do confronto. O presidente Lozada renuncia e foge para os EUA. Foi proibido de voltar ao país, onde responde a processos por crime de genocídio.
Esse episódio, que entrou para a história contemporânea da América Latina com o nome de "Guerra do Gás", mostrou a força do movimento indígena boliviano e abriu caminho para a eleição de Evo Morales, que em janeiro de 2006 se tornou o primeiro presidente de origem aimará a assumir o poder no país.
A mobilização surpreendeu o mundo, mas se apoiava em uma longa tradição de luta. A tática utilizada em 2003 foi uma reedição do plano adotado pelos povos ancestrais do altiplano andino em um levante histórico de 1781, que muitos pesquisadores consideram o embrião do processo de independência das colônias espanholas na América.
No dia 13 de março daquele ano, 40 mil indígenas liderados por Tupac Katari cercaram La Paz, dando início a um sítio que durou 109 dias. Os rebelados queriam acabar com a mita  e com a escravidão, expulsar as autoridades espanholas do país e fundar um governo que seria escolhido pela própria população local e abriria espaço para a participação popular na administração dos bens e recursos produzidos na região. Um programa que guarda semelhanças com o que seria adotado 8 anos mais tarde pelos revolucionários franceses de 1789.
Os administradores coloniais se refugiaram dentro da igreja, edificada com um forte. Eles se recusaram a acatar as reivindicações do movimento e prepararam o contra-ataque. As tropas espanholas receberam reforços externos e romperam as linhas aimarás.
Os rebeldes ainda conseguiram montar novo cerco à capital que durou 64 dias, mas acabaram derrotados em novembro de 1791, quando Tupac Katari foi esquartejado em praça pública.
Apesar de derrotado, o movimento afetou profundamente o domínio colonial no altiplano andino. Segundo o comandante, cerca de 10 mil pessoas perderam a vida no conflito. Ou seja, quase metade da população que era (na época) de 23 mil habitantes.
Os ideais do movimento, se espalharam por toda região, atingindo áreas distantes, como o norte dos atuais Chile e Argentina.
O historiador aimará, Pedro Portugal, professor e diretor do jornal "Pukara", acredita, que a independência da Bolívia, em 1952, não foi um episódio marcante para seu povo. Os ideais do levante Tupac Katari só foram retomados de fato pela revolução social de 1952, que estendeu o direito de voto a toda população, realizou a reforma agrária e promoveu uma reforma educacional que garantiu ensino aos povos quíchuas e aimarás. Ele lembra, ainda, que no ano passado, com a aprovação da nova Constituição pelo governo de Evo Morales, o direito à autodeterminação dos povos indígenas foi incorporada à legislação do país, transformando a Bolívia em um Estado plurinacional.
Fonte: História Viva

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